quinta-feira, julho 24, 2014

# O Tempo Morto É Um Bom Lugar #


Manuel Jorge Marmelo, apresenta hoje na Livraria Bertrand, dia 24 Julho 2014 pela 19h, no
Shopping Cidade Do Porto, com participação de  Valter Hugo Mãe.
Ensaio fotográfico para blog de Paulo Pimenta


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Excerto do novo romance

No estabelecimento prisional é que se está bem, livre de aborrecimentos e sem mais inquietações do que aquelas que, às vezes, irrompem de um pesadelo ruim. Sonho, entre outras coisas, que me libertam e que, mais um entre a crescente multidão de desgraçados, erro pela cidade abrindo caixotes do lixo à procura de alguma coisa que se coma; que durmo dentro de um caixote de cartão, abrigado da chuva na sacada de uma loja à espera de trespasse. Também sonho, de vez em quando, que se junta a mim um gato branco que é o exacto oposto daquela gata preta que em tempos me esperava na porta do prédio e que se fez minha amiga. Em vez de me acompanhar desinteressadamente, o gato branco persegue-me e morde-me a barriga das pernas, arranha-me com as unhas para que lhe dê as porcarias comestíveis que encontro nos contentores do lixo comum. É um bicho vil e maligno, oportunista, e nunca faz xixi ou cocó na porta dos bancos e das repartições públicas — caga e mija em cima de mim enquanto durmo. Acordo por isso muito ansioso e assustado, mesmo quando estou consciente de que se trata de um pesadelo e de que não existe nenhum gato tão branco e tão malévolo como o que tem surgido nos meus sonhos, e muito menos aqui na prisão, onde o único aborrecimento real é o modo que alguns detidos têm de olhar fixamente para mim, vigiando-me como se fossem fiscais das finanças e eu me tivesse esquecido de pedir a factura do café.

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